quinta-feira, 29 de maio de 2014

O Karateka

   O Karateka é uma criatura estranha. Diferente dos outros animais, tem a cabeça no Céu e os pés na Terra. Quando tem que atacar, consegue deslizar sobre o gelo e até voar pelo ar, mas se é preferível combater com a mente, consegue enraizar-se fundo e demover o inimigo apenas com o olhar. 
   O Karateka vê longe e fundo, além das aparências e das intenções. Pode ter o tronco mole como água, duro como pedra ou flexível como bambu. As suas mãos são estranhas, desligadas do corpo mas presas à mente; talvez por isso é que flutuam e mudam de forma para poderem furar, cortar, empurrar e agarrar. Já as suas pernas são fortes e selvagens, como um animal que pede para ser domado.
   Se o querem desviar do vosso caminho terão mais sorte a empurrar uma montanha, mas bastará um levíssimo toque nas costas para o fazer avançar perante qualquer perigo.
   Ele está sereno mas atento, calmo mas alerta, pronto para responder a qualquer um que precise da sua ajuda. Se é preciso cavar, ele vai; se é preciso consertar o chão, ele é o primeiro a oferecer-se. E fá-lo sempre com um sorriso humilde, sem esperar nada em troca, pois sabe que é esse o seu dever.


terça-feira, 27 de maio de 2014

Ritsu-rei

   Mestre Gishin Funakoshi, fundador do Karate, escolheu a seguinte frase como o primeiro princípio do Karate:

空手道は礼に始まり礼に終る事を忘るな
Karate-do wa rei ni hajimari rei ni owaru koto o wasuru na.
Karate começa e acaba com respeito.

   Mas se virmos com atenção, ele usa o kanji 礼, rei, que significa saudação, vénia, cerimónia, agradecimento, remuneração. E é justamente isso que fazemos todas as aulas. Sempre que redireccionamos a atenção a alguém, quer para iniciar o taiso, quer para terminar o kumite, quer para agradecer ao mestre, fazemo-lo com a mesma saudação: Ritsu-rei é feito de pé, com os calcanhares unidos, as mãos descansadas contra as pernas e tronco inclinado para a frente sem deixar pender a cabeça. Não devemos olhar fixamente o oponente - isso seria sinal de desconfiança ou provocação. Também não devemos inclinar-nos demasiado, 30º basta.

   Ritsu-rei é um ritual sério que simboliza a entrega da nossa vida nas mãos do outro. É por isso que expomos a nuca e o pescoço. Estamos a confiar nele, mas não estamos cegos. Os olhos estão baixos mas a atenção aguçada. Se ele quebrar a nossa confiança e avançar para o ataque, então temos que estar preparados para responder.

http://www.tofugu.com/2010/07/12/bowing-in-japan-japanese-etiquette/


segunda-feira, 26 de maio de 2014

Kumite

   Os treinos de Karate podem conter três componentes. O kihon, onde se estuda e aperfeiçoa sozinho a técnica. A kata, onde se combate mentalmente com vários oponentes e se executa movimentos previamente estipulados. E o kumite, onde treinamos técnicas com um oponente real.

   Kumite escreve-se com dois kanjis:
  • Kumi, 組, significa união, cooperação, associação.
  • Te, 手, (o mesmo 手 de Karate) significa mão.
   Como diz a própria palavra, kumite é união, é cooperação, entre nós e o outro, para que juntos possamos construir algo melhor. E esse algo somos nós próprios e a ligação que nos une.
   
   Para além do aperfeiçoamento do ataque e defesa, kumite permite-nos confrontar aquilo que se esconde dentro de nós. Se somos agressivos, dominadores, orgulhosos, então é aqui que o vamos revelar. Se somos mais submissos, dóceis, inseguros, então isso vai certamente manifestar-se durante o confronto. E é nesse momento em que deixamos cair o véu que podemos realmente evoluir e ajudar o outro a evoluir.
   
   Kumite também nos ensina auto-controlo. Atacar com toda a força não é correcto se à nossa frente estiver uma criança. Mas atacar de forma falsa, desviando o ataque porque temos medo de a magoar, é igualmente mau. Devemos atacar sempre, de forma verdadeira, mas temos que controlar a força no final porque não queremos magoar ninguém. Sem auto-controlo, kumite pode ser destruidor. Não só podemos magoar seriamente o outro como podemos romper a ligação que estávamos a tentar fortalecer. Ver karatekas que não se falam por causa de zangas passadas é muito triste, e imagino que não seja nada raro.

   Longe da pancadaria que o Karate de competição faz parecer, verdadeiro kumite é uma união total, humilde e sincera de almas que apenas procuram evoluir juntas.

Karate começa e acaba com respeito.
http://www.floridajukido.com/

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Dar o primeiro passo

   É difícil trazer pessoas novas para o Karate mas, mais difícil ainda, é convencê-las a ficar. A primeira aula pode correr muitíssimo bem, com uma temática interessante, exercícios variados, cheio de pessoas prontas a ajudar o aluno novo, mas se formos justos e verdadeiros, a realidade que mostramos será sempre a mesma: o caminho do Karate é longo. E isso assusta muita gente.

   "Eu já faço desporto, posso passar sem o Karate."
   "Neste mês não vai dar, mas para o próximo talvez dê."
   "Isto é muito giro mas não é para mim."
   "Se tivesse menos vinte anos."
   "Se tivesse menos vinte quilos."
   "Se tivesse..."
      
   Os motivos para não voltar são tão variados como as pessoas que os usam, e todos são válidos. Cada pessoa trava uma luta interior consigo própria e nós que estamos cá fora não temos o direito de intervir. Isso seria o mesmo que tentar percorrer o caminho por elas, querer superar os desafios delas. Mas lá por não devermos intervir, não quer dizer que não possamos mostrar-lhes que o caminho que estão a renunciar é importante e enriquecedor, e acho que a melhor forma de o mostrar é percorrendo-o nós próprios o melhor que conseguimos.

"Atenção: Não há atalhos nas próximas 50 milhas."


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Diferentes dimensões do taiso

   O aquecimento tem uma sequência lógica. Começamos por activar o corpo, correndo, saltando, fazendo outro exercício que ponha a energia, o ar e o sangue a fluir. Depois passamos para a cabeça, mexemos para cima e para baixo, de um lado para o outro, rodamos e inclinamos, mas a nossa atenção deve estar em esticar a coluna ao máximo enquanto fortalecemos a ligação com o céu. Esta é a dimensão humana do taiso.

   Subimos e rodamos os ombros enquanto ondulamos o corpo, primeiro como os golfinhos, depois como os peixes. Até quando rodamos os braços, com as mãos bem esticadas e carregadas de energia, ondulamos ligeiramente. Esta é a dimensão animal do taiso.

   Passamos os braços por cima da cabeça e rodamos para trás, como um pinheiro vergado ao vento. Passamos por baixo das pernas, giramos até às costas. Rodamos como um vórtice, de um lado para o outro. Os movimentos são fluidos e circulares, como se estivéssemos a dispersar pólen ou sementes. Esta é a dimensão vegetal do taisou.

   Baixamos com o joelho dobrado e a outra perna esticada, esquerda, direita, e depois kiba-dachi ao meio. As pernas estão sólidas e fortes, desenhando um quadrado, enquanto os braços esticados para a frente, formam um triângulo. Tudo muito sólido e geométrico. Esta é a dimensão mineral do taiso.

   E claro que isto não fica por aqui. O taiso continua, o meu conhecimento é que não. Quem sabe ainda existam mais dimensões escondidas nos exercícios finais.
   
Dimensão humana, animal, vegetal e mineral.
"Nature's Spiral" arte de Terese Nielsen





domingo, 18 de maio de 2014

Insatisfação

   Às vezes pensamos que estaríamos melhor noutra turma, com outro mestre, num dojo diferente. Mas não será essa insatisfação apenas uma forma de fugirmos ao desafio que a vida nos lançou? No fundo acho que é uma questão de acreditarmos ou não em coincidências. Se calhámos naquela turma, com aquele mestre, naquele dojo, terá sido por acidente ou foi porque aquele é exactamente o sítio onde devíamos estar? Se não gostamos dos colegas, então não teremos que lidar com alguma coisa dentro de nós? Se o sítio é muito longe, não será melhor fazer um esforço para sair mais cedo? Se o mestre é muito exigente, não teremos que nos esforçar mais? Se o dojo tem o chão difícil, não teremos que nos adaptar a ele? Talvez sim, talvez não, mas eu não acredito em coincidências por isso acho que se estamos onde estamos, é por algum motivo: Para fazermos algo, para aprendermos alguma coisa. Resta-nos descobrir que coisa é essa e investir nela toda a nossa energia em vez de a desperdiçarmos em justificações para podermos desistir.

A erva é sempre mais verde do outro lado da cerca.

   E continuando no tópico da insatisfação, deixo uns pensamentos rápidos que talvez se tornem úteis:
  • Se te achas melhor que os outros, então os outros são melhores do que tu pensas.
  • Se te achas pior que os outros, então tu és melhor do que tu pensas.
  • Se achas que o teu mestre podia ser melhor, então está na altura de confiares mais nele.
  • Se te achas diferente dos outros, então olha melhor, pode ser que descubras que diferentes são vocês todos, e estás exactamente onde devias estar.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Karate fora do dojo

   Há uns dias atrás, no programa do Lago dos Tubarões, surgiu a seguinte situação: Um dos tubarões, empresários (supostamente) de sucesso, perguntou a um concorrente, senhor nervoso e inexperiente, se ele era agressivo. E qual não foi o meu espanto quando ele respondeu à pergunta dizendo apenas que era 3ºDan em Karate, uma das graduações mais altas. E como se isso não fosse mau o suficiente, todos os tubarões ficaram bem impressionados e disseram que ele devia era ter revelado aquilo logo no início...!

   Pois é, infelizmente esta continua a ser a imagem que o Karate tem para o público em geral. Não sou pessimista mas suspeito que se perguntasse a alguém na rua o que é o Karate, provavelmente ouviria algo do género:
Karate? Isso não é aquela coisa onde eles andam à pancada?
   Ok, talvez na melhor das hipóteses dissessem que é uma arte-marcial japonesa virada para a autodefesa mas, ainda assim, continuariam errados.

   Karate não é autodefesa. No máximo é defesa do próximo, daquele que não se consegue defender. Durante as aulas somos encorajados a avançar perante o perigo sabendo que temos alguém atrás que devemos proteger. Mas claro que isto não quer dizer que sejamos encorajados a sacrificar-nos irracionalmente. Responder de forma errada perante o perigo pode fazer mais mal que bem, agravando uma situação que outrora podia ter tido um desfecho pacífico. Além disso, se morrermos e aquilo que nos matou for atacar quem tentávamos proteger, então de que valeu o nosso sacrifício?
Avançar sempre, sim, mas de forma consciente.
   (Sei que nos dias de hoje todos acreditamos que vamos viver para sempre, e falar de morte transformou-se numa espécie de tabu, mas só quis passar a mensagem, espero que compreendam.)

   O Karate é uma arte-marcial, um caminho de auto-descoberta, uma forma de praticar o bem. Não é por acaso que Gishin Funakoshi escreveu que o Karate começa e acaba com respeito, que não existe primeiro ataque no Karate, que o Karate está do lado da justiça.

   Todos nós, praticantes e não só, temos um papel a cumprir ― Passar a verdade quando a mentira se faz ouvir. Intervir para corrigir aquilo que está errado. Ajudar todos os que precisam da nossa ajuda. Enfrentar o medo em todas as etapas da nossa vida ― Isto sim é Karate. E tem que ser praticado sempre, tanto dentro como fora do dojo.




segunda-feira, 12 de maio de 2014

Dar aulas a crianças

   Dar aulas a crianças apresenta desafios extraordinários. É preciso motivá-las com elogios certeiros, é preciso manter a animação alta com brincadeiras e jogos, temos que estar ligados e abertos, quase como se fossemos crianças nós próprios, mas ao mesmo tempo mantendo o papel de professor quando tem que ser. Basta um exercício ser demasiado repetitivo para o olhar delas divagar para a janela, para o cinto, para qualquer coisa. Há os mais irrequietos que vêem o kihon como uma corrida, os desenvergonhados que não têm problemas em dizer que estão fartos e que querem ir para casa, os preguiçosos ou queixosos que desistem antes de tentar.
   As crianças são reflexos de nós próprios. Tudo o que fizermos mal, elas vão imitar com uma fidelidade incrível - mas o inverso já não é exactamente verdade. Pode ser cansativo, mas sem dúvida que dar aulas a crianças é das melhores experiências que já tive. Relembro um momento especial onde estava no meio dos miúdos a explicar como se fazia a posição do gato (envolve mexer sem fazer ruído), e no instante em que avancei, todos avançaram comigo como se fossemos um só. Olhei para eles, eles olharam para mim, e enquanto dava o passo seguinte em câmara lenta, também eles caminhavam comigo, com os olhinhos muito abertos. Foi muito bom sentir aquela ligação tão forte e, ao mesmo tempo, tão fácil e natural.



Aprender a andar

   No Shotokai existe uma regra que está presente em tudo:
   Primeiro a mente, depois as mãos, depois o corpo.
   Isto é natural. Imaginam-se a abrir uma porta sem cumprir esta regra? Primeiro batem com a cabeça na porta, depois levam a mão à maçaneta, e só depois pensam em abri-la? Claro que não. Mas, estranhamente, é mais fácil levar o corpo à frente da mente, e não o contrário. Talvez por isso é que há tanta gente a tropeçar, sem saber para onde ir.

   E se há uma forma própria de mexer, claro que também há uma forma própria de andar. Idealmente não tiramos os pés do chão. Em vez de darmos passos ruidosos, deslizamos silenciosamente. E se pensarmos bem, claro que isto também faz sentido. Sempre que ouvimos um pé a bater, é energia que está a ser desperdiçada sob a forma de ondas de som. E nós somos muito poupadinhos nessa coisa das energias. Relaxamos os ombros, os braços, atacamos rápida e silenciosamente. Para quê estar ali aos saltinhos quando metade do tempo estamos em pleno ar, e nessa fracção de segundo não conseguimos avançar se o oponente decidir atacar? Nunca percebi porque é que há tantos estilos a fazer isto, mas algum dia hei-de perceber.

 
   Haverá postura mais descontraída e natural que a de um bebé? Primeiro a mente, depois as mãos, depois o corpo. É pena que algures no caminho esquecemos isto, e depois é preciso uma data de anos e vários cintos coloridos para nos voltarmos a recordar de como era fácil.

sábado, 10 de maio de 2014

Cavalo teimoso

   Há pessoas que têm mais dificuldades físicas que outras, isso é normal, vem de nascermos em corpos diferentes. Mas o que não é normal é compararmos as nossas dificuldades com as dos outros e deixarmos que elas limitem os nossos horizontes. Se o corpo nos lança desafios, então devemos estar gratos por isso, porque são os desafios que nos fazem crescer. Se virmos uma pessoa com um corpo mais difícil de domar, o mais provável é que por trás esteja uma mente fortíssima a comandá-lo. No fundo é como o cavalo e o cavaleiro. Se o cavalo não apresenta desafios e faz tudo sozinho, o cavaleiro não chega a ter oportunidade de evoluir.
  São as pessoas com mais dificuldades que, por não desistirem e lutarem sempre, ficam fortíssimas no dia em que o corpo se eleva ao nível em que a mente sempre esteve. E quando isso finalmente acontecer, não é preciso mãos, porque o cavalo já sabe andar sozinho.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Ego e Orgulho

   Há duas forças que nos testam durante toda a vida. O ego é uma criança que vive dentro de nós e que não quer trabalhar quando tem que ser, nem levantar cedo porque está frio lá fora, nem enfrentar os desafios porque afinal está doente. A criança quer atenção constante e se não a recebe, faz birra, atira-se ao chão, bate com os pés, faz tudo o que for preciso até alguém parar para lhe dar atenção.
   No karate, o menino ego gosta de atacar especialmente os mais novos. Não querem baixar-se porque acham que vai doer, nem esticar as pernas porque isso é muito difícil, nem treinar seriamente porque não se podem cansar para o estágio do próximo mês.
   Já o senhor orgulho é uma pessoa mais velha e experiente que gosta de atacar os mais antigos e, do pouco que tenho visto, tem um apetite especial por cintos pretos 1º e 2º Dan.

   O quê? Eu fazer espargata como os outros? Aquele deve achar que tenho a idade dele. Ou então... Fazer a aula dada por aquele tipo que é cinto preto há menos tempo que eu? Eu é que devia estar ali à frente, não ele. Ou ainda o meu favorito. Deixa cá mandar um tsuki na cara deste cinto amarelo para ele perceber que a vida é injusta e isto do karate é ainda pior.

   Todos temos ego e orgulho dentro de nós, ou, como foi chamado de forma brilhante no estágio da Aroeira, egorgulho. Cabe a nós (e não aos outros) mantê-lo sempre debaixo de controlo, em todas as etapas do caminho, ou ele crescerá e depois corremos o sério risco de ficarmos esburacados por dentro.

Ego + Orgulho = Egorgulho. Para mim ele tem este aspecto.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

União de almas

   A ligação que mantemos com os outros é uma coisa preciosa. Sem ela não conseguiríamos comunicar, aprender ou amar outra pessoa. Se cortarmos ligações com os outros e os outros cortarem ligações connosco, então espera-nos um longo caminho solitário até percebermos o erro que cometemos. O ser humano é um bicho social que não consegue desenvolver-se sozinho. Se abandonarmos um bebé numa ilha deserta com toda a água e comida que ele possa precisar para sobreviver, o mais certo é que, quando regressarmos, não encontraremos um ser humano mas sim outro animal qualquer.
   Esta ligação que mantemos uns com os outros é uma parte fundamental do Karate, e todos os dias lutamos para a manter forte, especialmente durante o kumite. A própria palavra quer dizer encontro de mãos, e entristece-me vê-la aplicada a desporto que de Karate tem muito pouco.

   
   Ver praticantes virar costas, completamente desligados um do outro, e olharem para o júri em busca de mais um ponto é realmente entristecedor. Onde está a Honra, a Justiça? Onde estão todos os princípios do Mestre Funakoshi? Não sei, mas de certeza que ali não estão. E é por isso que o Shotokai não tem competição.

   Mas e o que fazer se o outro cortou a ligação connosco? Talvez o melhor seja não cortarmos logo a ligação com ele. Talvez assim ele perceba o erro que fez e aprenda alguma coisa. Mas, claro, se não perceber, então cabe-nos virar costas e destruir o pouco que resta da ligação. É muito triste e doloroso ter que chegar a esse ponto mas às vezes a vida é mesmo assim, e só temos que ser fortes e seguir em frente.



quarta-feira, 7 de maio de 2014

Nem 8 nem 80

Forma correcta de sentar em seiza

   Não sei porquê mas demasiado de uma coisa, até mesmo de uma coisa boa, parece ter uma forte tendência para se transformar numa coisa má. Usando o exemplo da figura acima, uma postura abatida, insegura ou fragilizada pode transformar-se no seu oposto se não procurarmos o equilíbrio que existe no meio.


terça-feira, 6 de maio de 2014

Força Vs Serenidade

   Se o oponente ataca com força e nós respondemos com força, obtemos força ao quadrado, ou umas valentes nódoas negras nos braços. Mas, se em vez de chocarmos contra ele, canalizarmos a sua força de uma forma positiva e construtiva, ela dilui-se na nossa serenidade e transforma-se naquilo com que são construídos os grandes guerreiros. E tanto nós, como ele, como todos os que estão a assistir, poderão beneficiar disto e crescer um pouco. É difícil não responder agressivamente, é verdade, mas sem dúvida que vale a pena.
   E isto pode ser aplicado em tudo, desde discussões até a passear o cão. Se ele nos puxa e nós puxamos de volta, ele só vai puxar ainda mais, e acabará por puxar tanto que ou fica asfixiado ou a trela salta-nos das mãos e perdemos o controlo. Mas, se em vez de lutarmos contra ele, lutarmos ao lado dele, e dermos um toquezinho suave e corrector de vez em quando, toda a força perde razão de ser, e ele virá para o nosso lado.

Diluir força com serenidade

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Deslizar sobre a matéria

   Desde cedo que somos encorajados a deslizar em vez de caminhar. Em termos de eficácia, isto faz todo o sentido. O alcance de um soco está limitado ao comprimento da nossa passada se não conseguirmos deslizar. E como treinamos sempre descalços, deslizar pode transformar-se numa verdadeira luta contra nós próprios.

  No início julgava que deslizar dependia apenas de condições externas. Humidade no ar, há quanto tempo enceraram o chão, se tinha esfregado bem os pés no banho, em que ângulo é que a ponta do pé tocava no chão, e com que força tocava, se tínhamos limpo bem o dojo antes do treino, esse tipo de coisas... e o curioso foi descobrir que a minha facilidade em deslizar era inversamente proporcional à atenção que eu lhe dava. Ou seja, quanto mais me preocupava em deslizar, menos conseguia deslizar. Cheguei a partilhar esta dificuldade com mestres e alunos, todos grandes deslizadores, e eles diziam-me sempre que era tudo uma questão mental. Que eu não deslizava porque antes de tentar já acreditava que não ia deslizar. E claro que a minha cabecinha formatada para a ciência não gostou de ouvir isto, por isso continuei mais uns tempos com as minhas experiências, até que me esqueci dos pés, e comecei lentamente a deslizar sozinho. Ainda tenho grandes dificuldades na arte secreta do deslizar mas vou deixar aqui o pouco que aprendi:

   Como em tudo na vida, deslizar é tanto uma questão física como mental.

Mental: Se estivermos num mau dia, com os ombros tensos, preocupados com o que ainda não fizemos, a martirizar-nos por tudo o que está a sair menos bem, então podem crer que não vamos conseguir deslizar, e por mais que olhemos para os pés, só vai piorar. Mas, pelo contrário, se o objectivo não for deslizar, mas sim chegar mais longe, de cabeça erguida, com leveza e naturalidade, lançar o tsuki como uma flecha etérea que atravessa a parede, então o mais provável é começarmos a deslizar sem darmos por isso. (Imaginar que o chão é um tapete de gelo também parece ajudar.)

Física: Depositar bruscamente todo o peso no pé da frente (especialmente no calcanhar) fará com que o atrito aumente e o pé agarre, impedindo o deslize, mas se colocarem levemente o pé à frente, acompanhando suavemente o chão à medida que avançam e mantém o peso na perna de trás, então o mais provável é conseguirem deslizar. Depois é irem passando o peso do pé de trás para o da frente até conseguirem deslizar com o peso todo no pé da frente.

   Claro que lá mais para a frente, isto da física perde quase toda a importância. Para perceber isso basta ver os mestres a deslizarem que nem uns patinadores olímpicos nos pavimentos coloridos e borrachosos dos ginásios. Sim, aqueles criados especialmente para agarrar tudo e mais alguma coisa, nomeadamente pés descalços.